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10 de maio de 2010

Nelson fala

Nelson Coelho de Castro fala muito. Tanto em conversas de bar quanto no palco. No belo show que apresentou na última sexta, tocando por quase duas horas, mais uma vez ele falou bastante. Nas duas conversas que teve comigo também falou muito. E mais: nas perguntas que lhe enviei as respostas igualmente foram longas. Como não pude usar tudo na matéria que fiz para ZH, achei que a boa conversa de Nelson não poderia ficar perdida. Por isso, reproduzo aqui a íntegra da nossa conversa por email:

Por que tanto tempo sem gravar?
Nelson - Depois de lançar o Da Pessoa em 2001 e, quase na mesma época, o Juntos 2 (com Bebeto, Gelson e Totonho), comecei a disputar nos projetos culturais do Fumproarte e da Petrobras o patrocínio de um novo disco. Rodava em ambos, seguidamente. No final de 2006 fui aprovado na Petrobras. Depois da natural jornada burocrática, a gravação prevista para 2007, pula pra 2009. Na manha, surfei no fluxo. A vontade de registrar um novo trabalho era grande durante este período, mas dependia, claro, de condições (recursos) que estes expedientes proporcionavam. Poderia ter gravado um disco, tipo, voz e violão. No entanto, com o parecer favorável da Petrobras, aguardei a melhor oportunidade. Valeu a espera.

As composições já vinham sendo feitas ou foram preparadas especialmente para o disco?
Nelson - Algumas vinham sendo feitas ao logo do tempo. Outras não.

É um disco de samba, certo? É a linguagem musical que tu melhor te comunica?
Nelson - Penso que é um disco de MPB e que tem samba. Faço samba instintivamente. Não me considero um “sambista”. Ficaria sob “rubor” com esta legenda. Mas o gênero samba sempre esteve nos meus discos. Como exemplo, no meu primeiro compacto tinha o samba Faz a Cabeça, 1979. No entanto, nos outros discos, havia também a valsa Armadilha, a marcha rancho Aquele Tempo do Julinho, a balada Ver-te Algo Teu ou o batuque afro de Vim Vadiá. Quer dizer, faço pocadinho de tudo. Lua Caiada tem sete sambas, mas tem ciranda, valsa, chorinho...Este disco, de certa forma, ficou mais coeso. Voltando. Da minha geração, acho, fui o compositor gaúcho que mais gravou sambas. Como em Porto Alegre, nos últimos quase 30 anos, a mídia de rádio está mais para o pop rock, quem faz MPB parece propor uma excentricidade. Mas isto vem mudando com o surgimento de novos grupos de sambas, melhor, de pagode “jovem”, também de uma nova geração de grandes músicos fazendo choro, samba de raiz nos bares da cidade baixa etc e com uma platéia expressiva!

Existe um samba feito no RS? Se sim, quais seriam as características desse samba?
Nelson - Sempre houve. Os compositores das escolas de samba de Porto Alegre, de Pelotas, de Uruguaiana, fora do período do carnaval, fazem samba. Mas ficam “nublados” depois da folia. No RS, podemos passar pelo Túlio Piva, Lupi etc ou pelo samba/rock do Bedeu. Mesmo na geração dos anos 60, influenciados pelos festivais e pela bossa nova, como Paulo e César Dorfman, Raul Ellwanger, Paulinho do Pinho, Giba Giba entre outros, havia o samba. Pena que muito pouco há de registro desta época. Poucos destes gravaram discos. A característica do samba gaúcho é a partir do Rio de Janeiro, mas isso se deu em todo o país. Antes do Rio, começa lá com o jongo, o samba de roda baiano, o samba chula, que vai ser seminal para o samba carioca no início do século passado. Depois vem a Rádio Nacional e.... Bueno, nossas etnias negras no sul vão dar um sotaque especial ao samba. Especialmente pelas religiões afro que aqui no sul são em grande número. Há, nos tambores, uma levada para cada entidade, assim por diante. Por exemplo, em se tratando de carnaval, as baterias das Escolas de Samba de Pelotas tem outra “levada”, mais manhosa e menos marcial que as de Porto Alegre. Basta ver, ouvir as charangas, tanto dos times Brasil ou do Pelotas, em comparação com as do Inter ou do Grêmio num jogo qualquer. Na do Brasil, inclusive, a charanga usa o Sopapo. Uma maravilha.

Quem são os compositores que te inspiram?
Nelson - A MPB toda dos anos sessenta: Chico, Milton, Caetano, Gil, Edu Lobo, João Gilberto, também a Jovem Guarda e dantes como Lamartine, Ari Barroso, Dorival, Lupi... Escutei também música americana, música clássica e o rock londrino dos Beatles e Rolling Stones. Uma salada das buenas.

Explique um pouco melhor aquela tua tese que me falaste no Tuim, de que as pessoas precisam se "esbarrar" mais?
Nelson - na verdade, somos, nesta província, um bando de aquários lindeiros e estes com as suas faces vítreas justapostas, translúcidas, onde todo mundo se vê, se reconhece, mas as águas não se visitam e muito menos os peixes. Nos apartamos por pueril estranhamento, medo e preguiça. Um exemplo disso. Nos anos sessenta, as TVs locais possuíam na sua grade de programação conteúdos produzidos regionalmente. Para tal, era necessário artistas, atores, cantores, orquestras, redatores, cenógrafos, apresentadores, etc... na sua maioria vindos do Rádio. Com o surgimento do vídeotape, e logo após das transmissões via satélite, acontece a “natural” debandada destes profissionais das emissoras locais. Simples: os conteúdos vinham prontos das matrizes de São Paulo e Rio de Janeiro, e com custos bem mais baixos. O legado é que interessa à tese. Uma filigrana: os edifícios das emissoras locais ficaram áridos, até mesmo fóbicos, à cultura regional com a ausência daqueles profissionais. Só agora se retoma isso. 50 anos depois. Esse seria dos lugares que poderíamos “esbarrar” com a classe artística em suas diferentes praias. Em 1980, numa entrevista, falei: os porto-alegrenses só se vêem de manhã, ao escovar os dentes. Isto mudou um pouco, com a TV produzindo curtas gaúchos e as rádios executando a música daqui sem o embaraço de antes. Culpa dos lúcidos conspiradores nestas mídias Cabe a nós re-significar isto. Ainda há tempo.

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