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25 de maio de 2011

Renovando a bossa nova

Artista de espírito gregário e constantemente aberto a parcerias – como podem comprovar as composições feitas ao lado de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Martinho da Vila e Eumir Deodato entre tantos outros, inclusive numa rara obra conjunta com João Gilberto (Minha Saudade) –, João Donato provou na noite do dia 10 de maio, em Porto Alegre, como consegue se sair bem em piano solo. Pilotando um Steinway e mesclando diversas fases de sua carreira, o mestre acreano renovou a sua bossa sempre nova, deu temperos calientes ao seu som latino e prestou homenagens a gigantes do jazz, como Duke Ellington, Horace Silver e Stan Kenton.

Já de saída – ainda nervoso pela solidão no palco, como confessaria no camarim ao final do show – Donato começou a quebrar o gelo ao recordar a infância e lembrar uma valsa composta aos oito anos (Nini), dedicada ao primeiro amor. Emendou em seguida com a surpreendente Aquarius e a caudalosa Amazonas. Mais adiante, o músico João que não gosta de poesia (como flagrou Caetano em Outro Retrato) reconheceu em público como as letras deram nova dimensão às composições de sua autoria. Assim, somou ao som do piano sua voz pequena e afinada em interpretações de Naquela Estação, Até quem Sabe, A Paz, Bananeira e na intrincada A Rã.

Quando o show já se encaminhava para o final, um Donato mais solto brincou com a plateia, evocou seus orixás em Emoriô, divertiu-se com a letra de Suco de Maracujá (parceria sua com Martinho com versos que falam em ovos de codorna, ostras, pó de guaraná, amendoim e outros alimentos afrodisíacos) e fechou a noite com Wave, do velho amigo Tom Jobim. No bis, um agradecimento musical ao público com a interpretação de Prenda Minha.

Gênio desligado que conseguiu dar uma nova dimensão à carreira na última década, Donato demonstrou que seu suíngue vai do jazz ao samba e que as notas podem jorrar de maneira suave. Seu piano traz aos ouvidos mais perguntas do que respostas, mostrando que aos 76 anos Donato não se perde em caminhos conhecidos e ainda tem fôlego para indicar novos rumos.

27 de dezembro de 2010

Mendigo mecenas

Em Dzi Croquettes, um dos melhores documentários feitos no Brasil, um personagem misterioso passa quase despercebido. Quando os cinco "croquettes" sobreviventes – e também a "madrinha" Nega Vilma – recordam o "início do fim", são unânimes em lembrar a figura de um fazendeiro que os trouxe para uma temporada no interior da Bahia. Foi a partir daí que a coisa começou a degringolar, e o grupo se dissolveu. O nome do misterioso anfitrião é citado muito rapidamente: Veras.

Fiquei curioso e fui atrás.

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Veras é (ou melhor, foi) Divaldo Angelin Veras, um pernambucano nascido em abril de 1940. Foi paraquedista no Rio de Janeiro e lá conheceu a mulher com que viria a se casar, herdeira de uma fortuna em fazendas de cacau. A partir de então, teve uma vida de excesso e loucuras.

Foi amigo de Pelé, Sônia Braga, Fernanda Montenegro e Janis Joplin (que considerava feia e fedorenta). Colecionava Mercedes e passava longas temporadas nos Estados Unidos e na Europa. Numa dessas viagens, conheceu e se aproximou de Lennie Dale. O bailarino americano foi a ponte entre Veras e os Dzi Croquettes, que rapidamente tratou de convidá-los a serem seus hóspedes na fazenda baiana.

A temporada foi trágica, rachando o grupo e ajudando a afundar ainda mais o patrimônio de Veras. Morreu em 2007, devastado pelo alcoolismo e perambulando pelas ruas de Ipiaú (BA), onde era conhecido como o mendigo que falava várias línguas. Em sua louca lucidez (ou lúcida loucura), demonstrava ter consciência da vida de excessos e delírios que viveu. Não se arrependia e reafirmava que “dinheiro não foi feito para se perder. Dinheiro foi feito para se gastar”.

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Pouco antes de morrer, Veras foi homenageado com o documentário DeVeras, dirigido por Paulo Thiago Ribeiro.
 

26 de dezembro de 2010

Amigos de Marvin Gaye

O álbum é I Want You. O autor é Marvin Gaye. E o disco está entre os melhores da história do soul americano de qualquer época. Na produção, dois coadjuvantes se destacam.

Um é Leon Ware autor (ou coautor) de todas as faixas. A seguir você pode vê-lo em ação, em Amsterdam, interpretando a faixa-título:



O outro é Ernie Barnes, autor da arte que ilustra a capa. Pintor americano nascido na Carolina, Barnes destacou-se como criador de uma arte repleta de movimento, retratando quase sempre cenas musicais e esportivas. Morreu de câncer em abril do ano passado. Foi cremado e suas cinzas foram jogadas uma parte perto do sítio onde nasceu e outra parte em Carmel, sua praia favorita na Califórnia. Se quiser conhecer um pouco mais de artista inventivo e original, o site oficial é http://www.erniebarnes.com/.

7 de outubro de 2010

O macaco tá certo

Um clássico absoluto do humor brasileiro, com o hilariante Paulo Silvino e a deliciosa Marlene.
Cante com eles.

24 de setembro de 2010

Coisas muito estranhas estão acontecendo nesta eleição.

Primeiro, o imenso retrocesso da justiça eleitoral, que não satisfeita em obrigar o uso do título eleitoral - documento que caminhava célere rumo à obsolescência - agora ainda exige que um outro documento com foto seja levado. Ora se é para agir dessa maneira melhor seria manter aquele antigo título - usado até 1985 - que embora fosse quase do tamanho de uma cartolina pelo menos já vinha acompanhado de foto.

Outro absurdo é essa confusão do voto para dois senadores, com partidos e candidatos abrindo mão de lançar candidaturas. Aqui onde voto, no Rio Grande do Sul, a situação fica mais absurda ainda com o comportamento de dois candidatos que se apresentam ao eleitor pedindo que o nome deles mereçam ser uma das duas escolhas. Num desrespeito à fidelidade partidária, eles nem sequer se envergonham de sugerir ao eleitor que votem em qualquer candidatura desde que uma das opções sejam eles. Que o eleitor faça - e normalmente faz - essa salada, de misturar partidos, vá lá. Mas a um candidato, filiado, que passa por uma convenção e que ocupa um espaço televisivo destinado ao partido, é um desrespeito que peça ao eleitor que passe por cima das legendas. Mais: estes dois candidatos nem teriam quem indicar, pois os partidos e/ou coligações (num gesto de servilismo) nem chegaram a oferecer ao eleitor uma segunda opção. E aí vem a pergunta final, que de certa forma destrói os argumentos destes dois candidatos: se eles querem que o eleitor considere eles com uma das duas opções, qual será a segunda opção de voto de cada um deles?

4 de setembro de 2010

Rock de resistência

Você já ouviu falar no rock de Camboja? Ele não apenas existiu como poderia ter florescido como uma das manifestações mais curiosas da mistura de ritmos ocidentais com orientais. Porém o Khmer Vermelho considerou a música estrangeira uma influência nociva e tratou de bani-la.

Este site do documentário Don't Think I've Forgotten mostra como esta história tão pouco conhecida quanto trágica merece ser vista com atenção. Que venha logo o documentário.

23 de agosto de 2010

Cordas

Um instrumento musical com nome de foguete há mais de cinco décadas revoluciona o rock. A Fender Stratocaster é reconhecida como modelo de guitarra elétrica mais famoso do mundo, imortalizado por uma legião que vai de Jimi Hendrix a Eric Clapton, de Buddy Holly a Lou Reed.

Na verdade, a história da Fender Stratocaster começa uma década antes, quando Leo Fender – que trabalhava em uma loja de conserto de rádios – e se juntou a Doc Kauffmann, montando a empresa K&F Manufacturing. Em 1946, Fender criou um primeiro modelo de guitarra que deveria servir apenas para demonstração, mas acabou fazendo um enorme sucesso entre os músicos de country da região, que faziam listas de espera para alugá-lo. Logo depois, os dois romperam a sociedade, e Fender começou a trabalhar num projeto de guitarra de corpo sólido e que fosse prático.

A Fender Esquire e, logo depois, a Fender Telecaster fizeram sucesso, mas Fender ainda se assustava com a concorrência dos modelos Gibson, Epiphone e Gretsch. Ele desejava um instrumento infalível que não perdesse em agudos e que tivesse graves mais poderosos que a estridente Telecaster.

Nos primeiros meses de 1954, chegavam às lojas os primeiros exemplares da Fender Stratocaster. Era realmente revolucionária – fato que se devia ao seu conforto na hora de tocar, com seu corpo chanfrado – e curiosamente, afinal Leo Fender não se preocupava com isso, ela apresentava um design inovador. A resposta do público foi imediata: a Stratocaster ficou entre os modelos mais vendidos nos Estados Unidos entre maio de 1954 e dezembro de 1955.

Fender viu o êxito de sua maior criação, mas em 1965, quando ficou doente, pensou seriamente que iria morrer e vendeu a empresa para o grupo CBS por US$ 13 milhões. Muitos guitarristas nem consideram os instrumentos feitos a partir da mudança. A CBS ficou com a empresa durante 20 anos e depois repassou para investidores em 1985. Leo Fender morreu seis anos depois.

10 de agosto de 2010

Um craque

Cinquenta e seis anos depois de ter encantado o mundo comandando a Seleção Húngara, Ferenc Puskas (1927 - 2006) merece ser lembrado com a leitura de Puskas – Uma Lenda do Futebol. O livro, lançado há doze anos pela Editora DBA, mas ainda encontrável em muitas livrarias, é uma imensa reportagem feita pelos jornalistas Klara Jamrich e Rogan Taylor. Ele inglês, ela conterrânea do craque.

Jogador que quase sempre estava acima do peso, mas que compensava os quilos a mais com agilidade e um potente chute de perna esquerda, Puskas – juntamente com outros jogadores, técnicos e jornalistas da época – recorda como um time – o Honved – idealizado pelo governo da Hungria, que pretendia usar os jogadores como instrumento de propaganda, se transformou numa máquina de jogar futebol. As conversas entre Puskas e os jornalistas destacam a participação da seleção na Olimpíada de Helsinque, em 1952, a vitória sobre os ingleses em pleno estádio de Wembley – considerado um dos dez melhores jogos de todos os tempos –, a formação do Real Madrid ao lado de Di Stéfano e Didi e, principalmente, o relato sobre a derrota (inimaginável) para a Alemanha na Copa de 1954.

A taça seria levantada por Fritz Walter, comandante de uma seleção alemã que tendo perdido para os mesmos húngaros na primeira fase por 8x3 conseguiu vencer na final, derrotando os adversários por 3x2. Poucos meses depois da Copa, a imprensa europeia descobria que metade do time campeão adoecera de icterícia. Naquele tempo, não havia exame de doping.

E para quem não viu Puskas em ação:

9 de agosto de 2010

Underground

Há poucos meses conversei com o jornalista, escritor e filósofo, Luiz Carlos Maciel. Aos 72 anos, este gaúcho de Porto Alegre mas há mais de quatro décadas radicado no Rio de Janeiro recordava como foram os frenéticos anos 60. “Foi um tempo de muita agitação e criatividade. Minha geração queria mudar não só o mundo como cada um de nós em particular, ou seja, a própria vida que cada um vivia”, lembra Maciel. No final da década, ele, no Pasquim, comandava as duas páginas do Underground, a primeira experiência no Brasil a acompanhar o movimento hippie. “Acredito que vivi períodos privilegiados, repletos de descobertas e revelações”, acrescenta. Seguem abaixo trechos selecionados da entrevista:

O que você fazia entre 1967-1969, época do surgimento e da explosão do movimento hippie?
Trabalhava em jornais e revistas, tipo Ele Ela, O Jornal, Última Hora e finalmente O Pasquim, no seu inicio. Foi neste último que criei as duas páginas do Underground, a primeira do Brasil a acompanhar o movimento hippie. Tive também uma coluna na Ultima Hora, chamada Vanguarda.

Qual a memória que você tem dos acontecimentos daquela época?
A melhor possível. Foi um tempo de muita agitação e criatividade. Minha geração queria mudar não só o mundo como cada um de nós em particular, ou seja, a própria vida que cada um vivia. Acho que tive uma juventude privilegiada, cheia de descobertas e revelações, a gente se divertia muito.

Quais foram as grandes revoluções do movimento hippie?
A grande revolução foi a liberdade. A verdade de Sartre de que somos totalmente livres para inventar a nós próprios, foi posta em prática. Houve uma contestação de toda a maneira de viver vigente, uma subversão de valores, no sentido de Nietzsche, que abrangeu comportamento, estética, moral, política, religião, etc. A gente se divertiu muito.

Passados 40 anos, o que os hippies deixaram de ensinamento?
A liberdade.

8 de agosto de 2010

Uma vida vivida intensamente

Ator símbolo do humor americano da transição das décadas de 70/80, John Belushi tem sua vida escarafunchada por um dos melhores repórteres dos Estados Unidos: Bob Woodward. O resultado está em Wired, biografia que agora ganha versão em espanhol com o título "Como una Moto: La Vida Galopante de John Belushi". Ao mostrar a roda viva em que o ator vivia, com muito álcool e drogas, o livro revela um relato frenético rumo ao abismo.